PLANO DE CIDADE POSICIONAMENTOS PÚBLICOS

Objetivo 4 Educação de qualidade

Objetivo 4.
Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos

Entre as escolas melhor e pior avaliadas, Ribeirão Preto revela desigualdades: enquanto em uma unidade 93% dos alunos do 5º ano aprendem adequadamente português, em outra a proporção cai para 35%.

*Reportagem: Cristiano Pavini e Adriana Silva (publicada em março/2019)

Em Ribeirão Preto, a distância entre as escolas José Delibo e Alberto Ferriani vai muito além dos 9 quilômetros que separam os bairros Castelo Branco e Salgado Filho .

Na Delibo, 93% dos alunos superaram o 5º ano do Ensino Fundamental com aprendizado considerado adequado em Português, com base na avaliação nacional da Prova Brasil de 2017. Já na Ferriani, a proporção cai para apenas 34%.

Pesquisas atestam: o ensino desigual é determinante para futuros desiguais.

O quarto Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU (Organização das Nações Unidas) prevê, até 2030, “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos”.

Indicadores oficiais acendem o sinal de alerta em Ribeirão Preto, deixando clara a necessidade de mudança de rumos para que o ODS seja alcançado.

Em 2017, apenas 19% dos estudantes da rede pública (soma do ensino municipal e estadual) de Ribeirão Preto concluíram o Ensino Fundamental com aprendizado adequado em matemática. Em Português, foram 58%.

A análise de proficiência é disponibilizada pela Fundação Lemann na plataforma digital QEdu, com base em dados oficiais coletados na Prova Brasil.

Além disso, o ensino público local teve o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), principal parâmetro nacional de avaliação do aprendizado no Ensino Fundamental, abaixo da média do Estado de São Paulo tanto nos anos iniciais (alunos do 1º ao 5º ano) quanto finais (do 6º ao 9º).

Desigualdade

Ribeirão tem realidades educacionais distintas, com escolas públicas em extremos opostos de qualidade e aprendizado.

José Marcelino de Rezende Pinto, professor de Educação da USP de Ribeirão Preto, afirma que os resultados do Ideb e Prova Brasil não devem ser utilizados, por si só, para estabelecer ranking entre melhores e piores escolas.

Segundo ele, a condição socioeconômica dos alunos, principalmente o “capital cultural das famílias”, como grau de escolarização dos pais, tem influência de até 70% no aprendizado.

“Uma escola com Ideb baixo pode estar aproveitando muito melhor a potencialidade dos seus alunos, acrescentando diversas competências que eles não adquiriram dos familiares, do que uma escola com Ideb alto, mas que poderia ser ainda maior”, explica Marcelino.

Assim como outros especialistas ouvidos pelo Instituto Ribeirão 2030, Marcelino ressalta que a gestão também é determinante para diminuir ou ampliar as desigualdades educacionais, melhorando o ensino.

“Devemos tratar desigualmente os desiguais, dar mais para quem tem menos. Mas hoje ocorre o contrário: as escolas da periferia, geralmente, possuem professores temporários e com maior rotatividade, prejudicando o ensino”, aponta, reforçando que em Ribeirão “não há uma política de educação de longo prazo, que se atente às particularidades de cada escola”.

Embora multifatorial, a desigualdade de desempenho é latente e mensurada, principalmente, nos indicadores de aprendizado. E eles mostram que Ribeirão Preto está longe de ser um exemplo na Educação Básica.

Anos iniciais

Nos anos iniciais, a escola Estadual José Rodini teve o melhor Ideb em 2017, com nota 7,5.  A melhor instituição pública ribeirão-pretana, porém, ficou bem aquém das melhores do País. Análise do Instituto Ribeirão 2030 aponta que ela ficou apenas na 1.002º colocação no ranking nacional.

A campeã foi a escola José Wilson Melo Nascimento, em Coruripe (Alagoas), com Ideb 9,9. A cidade tem 56 mil habitantes e um PIB (Produto Interno Bruto) per capita equivalente à metade do de Ribeirão Preto.

Em todo o País, 3.907 escolas públicas tiveram Ideb igual ou superior a 7. Das 64 escolas de Ribeirão com dados divulgados, apenas sete integram esse grupo.

Além disso, 27 escolas municipais regrediram em relação ao Ideb de 2015.

A escola municipal Honorato de Lucca foi a pior avaliada nos anos iniciais em Ribeirão, com nota 4,6. Das 39.654 escolas avaliadas no País, ficou na 31.306º posição.

Evolução do Ideb nos anos iniciais em Ribeirão Preto:

Na avaliação do Ideb dos anos iniciais, a rede municipal de Ribeirão estagnou entre 2011 e 2015, permitindo o “empate” com a rede estadual. Em 2017 ela voltou a crescer, enquanto a média da rede estadual caiu.

Anos finais

O problema agrava, tanto em Ribeirão Preto quanto no restante do País, nos anos finais do Ensino Fundamental, quando o Ideb mede o conhecimento dos alunos do 9º ano (anos finais), prestes a ingressar no Ensino Médio.

As redes municipal e estadual do município ficaram abaixo de suas metas, estipuladas pelo Governo Federal em, respectivamente, 5,6 e 5,4. A média das escolas geridas pela prefeitura, inclusive, regrediu em relação ao Ideb de 2015:

Evolução do Ideb nos anos finais em Ribeirão Preto

A melhor escola dos anos finais foi a escola municipal José Delibo, com Ideb 6,4. Isso a coloca na posição 312º do ranking nacional (liderado por duas escolas do Ceará e uma do Recife, todas com nota 8,5).

Mesmo assim, metade dos alunos da Delibo encerrou o Ensino Fundamental sem aprendizado adequado em matemática, segundo os dados de proficiência da plataforma QEdu.

Já na escola estadual Romualdo Monteiro de Barros, a situação é de colapso: 96% dos alunos deixaram o Ensino Fundamental sem saber matemática em 2017.

Com nota 3,8, ela foi a escola com pior Ideb dos anos finais em Ribeirão Preto.

Reestruturação

Em média, apenas 25% dos alunos das escolas da rede municipal de Ribeirão Preto concluíram o 9º ano com aprendizado adequado em matemática e 50% em português em 2017. Nas escolas locais da rede estadual, a proficiência é ainda pior: 13% em matemática em 34% em português.

Thaiane Pereira, coordenadora de projetos da organização Todos pela Educação,  afirma que “o atual modelo de escola” precisa ser reestruturado, pois “à medida em que o tempo passa, a crise de aprendizagem fica evidente”.

Ela aponta que os alunos vão “acumulando defasagens” ao longo das séries escolares, e que “as escolas se tornam desinteressantes, com disciplinas engessadas, e uma série de problemas intraescolares, como professores sem capacitação adequada e ausência de recursos pedagógicos estruturados”.

Para Alexandre Pereira Salgado Junior, docente da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e pesquisador em Educação, o aprendizado evolui conforme as boas práticas pedagógicas e, principalmente, gestão adequada.

“Não é apenas a quantidade de recursos financeiros aplicados, mas sim onde eles são gastos”, atesta.

Em um de seus estudos, ele analisou o perfil de 10 escolas com tamanho e características socioeconômicas similares, e as dividiu em dois grupos: sete foram consideradas eficientes e três ineficientes.

Os resultados apontam que as escolas eficientes dispunham de diferenciais como diversidade no material didático, reforço no contraturno escolar, plano de carreira atrativo para os professores e, até, custeio de transporte gratuito para os pais de alunos participarem das reuniões.

Mas, para que essas ações sejam bem sucedidas, a boa gestão é essencial.

“O reforço no contraturno, por exemplo. É necessário que haja uma sala adequada disponível e um profissional qualificado. E planejamento: quando será servida a merenda? São detalhes que precisam ser muito bem analisados”, aponta Alexandre.

Ele defende a implementação de um “sistema de recompensas” para motivar alunos e professores, com a premiação de bons resultados, e ressalta que o aprendizado não fica restrito à sala de aula.

“A merenda é boa? A escola faz bom uso de novas tecnologias? Há interação da comunidade escolar? Escolas boas são aquelas em que a comunidade participa de forma ativa. Mas, para participar, os pais precisam ser convidados”, diz.

Nesse ponto, ele lembra a importância de diretores qualificados. “Ele precisa ter habilidades que transcendem a sua formação, como a capacidade de agregar”.

Thaiane Pereira, do Todos Pela Educação, diz que os diretores precisam ser capacitados como gestores, e defende o fim da nomeação por critérios políticos.

Em Ribeirão Preto, entidades de professores defendem que os diretores sejam eleitos pela comunidade escolar. A prática, porém, nunca foi implementada, e a nomeação fica restrita à vontade da prefeitura.

Alexandre é claro: não existe fórmula mágica para a educação. “São uma série de fatores integrados. Mas é preciso, sempre, que ações pedagógicas e administrativas de qualidade caminhem juntas”.

Rafael Madureira dos Anjos, especialista em gestão pública e um dos desenvolvedores da plataforma RevelaGov, que cruza dados públicos para avaliar a efetividade da gestão dos municípios e apontar indícios de corrupção, aponta que o aumento dos gastos em Educação não significa, necessariamente, melhoria em qualidade.

“É importante investir em educação. Mas verificamos cidades com gasto per capita menor tendo resultados iguais ou melhores do que outras que investem muito mais”, explica.

Com o cruzamento de gastos, número de alunos e nota do Ideb de 2015 em todas as cidades de São Paulo, ele verificou que Ribeirão está em situação intermediária nos indicadores de aprendizado. Mas atrás de cidades que investem menos, como Dumont.

“Devemos analisar a realidade dessas cidades com desempenho melhor e gasto menor para verificar a gestão e metodologias que utilizam, inclusive para tentarmos replicar”, aponta.

Fator socioeconômico

“A escola prejudica as crianças mais pobres ao professar uma cultura que lhes é estranha”, afirma, citando o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a professora de Educação da USP Débora Piotto.

Ela cita, por exemplo, que ao desconsiderar as variantes linguísticas existentes, “a escola vai construindo um sentimento de incapacidade e de indignidade nas crianças pobres que, além de impedi-las de aprender, também contribui para incutir-lhes um sentimento de inferioridade”, por tratá-las como incapazes por “não conseguirem se expressar oralmente pela norma culta da fala”.

O Ministério da Educação (MEC) aplica questionários aos alunos, professores e diretores para saber a realidade das escolas durante a Prova Brasil.

Em Ribeirão Preto, os alunos são divididos em três grupos de renda familiar mensal média, que vão de 1 a 7 salários mínimos.

Dependendo da competência (português ou matemática), a taxa de aprendizado vai de 0 a 10. Quanto maior o indicador, melhor a compreensão da disciplina.

Nos anos iniciais, o Instituto Ribeirão 2030 cruzou dados de 4.405 alunos de 61 escolas que cadastraram informações no MEC e verificou que, quanto menor o poder aquisitivo médio dos alunos, menor a proficiência em português e matemática.

As cores das barras representam a renda familiar dos alunos, tendo por base o salário mínimo. Elas estão distribuídas de acordo com o percentual de cada grupo no nível de aprendizado. Quanto mais alunos próximos do 9, melhor o grau de compreensão em português.

Nos anos finais, o Instituto cruzou dados de 3.329 alunos de 58 escolas. Nenhum aluno atingiu o nível 8 de aprendizado, considerado o máximo para essa etapa de ensino, independentemente do seu perfil socioeconômico.

Em contrapartida, 31,4% dos alunos com renda familiar entre 1 e 1,5 salário mínimo tiveram o menor nível de aprendizado possível em Português, enquanto 8,5% dos que possuem renda entre 3 e 7 salários mínimos ficaram nesse grau mínimo de aprendizado.

Segundo Débora, “pelo próprio modo como a escola, em geral, ensina, ela acaba interpondo obstáculos para o acesso ao conhecimento, criando dificuldades a partir da própria metodologia usada”.

Ela diz, por exemplo, que “a forma como se ensina matemática no Brasil colabora muito mais para se criar empecilhos para a sua compreensão do que para promover o aprendizado dos conceitos matemáticos”.

E ressalva: “isso não significa também que os estudantes pobres estão fadados ao fracasso escolar”, explicando que “o sucesso escolar em meios populares é uma realidade marcada, principalmente, pelo acesso a um ensino de qualidade”.

Thaiane Pereira, do Todos Pela Educação, reforça que fatores extraescolares influenciam em 50% no resultado escolar, mas ressalva que “componentes de gestão também são fundamentais” e que “há escolas de uma mesma rede, em um mesmo bairro, com resultados completamente diferentes”.

Participação dos pais

Na escola municipal José Delibo, que se destaca pela taxa de aprendizado adequado dos alunos e notas do Ideb, o diretor Matheus de Barros ressalta a participação ativa da comunidade.

“Percebemos uma atuação intensa da família dentro da escola. Há um casamento com a comunidade escolar, falamos a mesmo língua. Isso faz o aluno encarar a sala de aula de outra forma e os professores se sentem mais à vontade para propor inovações”, explica.

A APM (Associação de Pais e Mestres) é ativa e utiliza recursos recebidos da prefeitura e arrecadados pela própria comunidade (com festas, entre outros) para reparos e modernização da unidade.

Além disso, segundo Matheus, os próprios pais costuraram as cortinas que protegem as janelas das salas de aula do sol e se revezam como monitores voluntários para a Biblioteca.

Todas as salas de aula possuem aparelho de ar-condicionado e, do 4º ano em diante, são ocupadas por no máximo 28 alunos – dois a menos do que o limite permitido pela secretaria de Educação.

No laboratório de informática, que conta com microscópios e esqueletos, uma professora com doutorado ensinou no início do ano a extrair o DNA de um morango.

Percepção

Apenas os resultados de proficiência e avaliação camuflam as realidades de cada escola. A escola municipal Virgílio Salata teve o segundo pior Ideb nos anos iniciais em 2017. Mas Maurício Borges Prato está satisfeito com o ensino que seu filho Marcelo recebe.

“Gostamos muito da escola. Os funcionários são exigentes e rígidos, se preocupam muito com o aluno” afirma, reforçando que seu filho tem atividades esportivas na unidade no contraturno escolar, como judô e basquete.

Ele aponta, também, o papel ativo da família no aprendizado. “Os pais precisam participar ativamente no ensino, indo à escola, auxiliando nas tarefas. Não adianta apenas ficar reclamando e não fazer nada”.

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