PLANO DE CIDADE POSICIONAMENTOS PÚBLICOS

Objetivo 3 Saúde e bem estar

Objetivo 3.

Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades

Um dos pilares da prevenção, Estratégia Saúde da Família abrange apenas 22% da população de Ribeirão Preto. Fila de espera por exames e consultas passa de dois anos.

*Reportagem: Cristiano Pavini e Adriana Silva (publicada em fevereiro/2019)

Contrastes marcam a saúde pública em Ribeirão Preto. Enquanto o Hospital das Clínicas é referência internacional em procedimentos de alta complexidade, a população aguarda horas nas unidades de Pronto Atendimento e até dois anos na fila de espera para consultas e exames.

Segundo o site da Prefeitura de Ribeirão Preto, quem tentar agendar um proctologista em março de 2019 pode conseguir data apenas para abril de 2021. Uma colonoscopia leva um ano e três meses.

Especialistas apontam que os indicadores de saúde no município não são ruins e, em alguns pontos, até exemplos para outras cidades.

Alertam, porém, que ainda há muito o que melhorar, principalmente na Atenção Básica – considerada a base da saúde pública, responsável pelo monitoramento, prevenção e diagnóstico precoce de doenças, evitando que o estado de saúde se agrave com o decorrer do tempo.

Segundo o último relatório de gestão publicado pela Secretaria da Saúde, em 2017 a Atenção Básica da rede pública conseguia abranger apenas 51,5% da população de Ribeirão Preto (considerando o número de profissionais e suas respectivas cargas horárias). No mesmo ano, 42% dos ribeirão-pretanos possuíam planos privados de saúde.

Ou seja: ao menos 6,5% dos moradores (cerca de45 mil pessoas) estão no vácuo da saúde preventiva. O número pode ser ainda maior, já que as taxas de cobertura podem coincidir, com um mesmo morador sendo atendido pelo SUS e possuir plano de saúde.

O terceiro ODS (Objetivo do Desenvolvimento Sustentável) da ONU prevê “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades”, e tem entre as metas “atingir a cobertura universal de saúde”.

No Brasil, todos têm direito ao atendimento gratuito por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), considerado referência mundial em saúde pública. Embora universal, ele não garante qualidade a todos.

Um dos pilares da atenção básica é a Estratégia Saúde da Família (ESF), com equipes de profissionais de saúde e assistência social atuando diretamente na comunidade ao entorno, acompanhando de perto as famílias e, inclusive, batendo de porta em porta.

Ribeirão Preto possui 45 equipes de Saúde da Família, que atendem a 151,1 mil pessoas. A cobertura representa 22% da população. O número é crescente: em 2013 eram 30 equipes, que abrangiam 14% dos moradores.

Mesmo com o avanço, o quantitativo está abaixo do ideal. Com 270 mil habitantes a menos que Ribeirão, Diadema possui mais que o dobro de equipes de Saúde da Família, que segundo a Secretaria de Saúde atendem a praticamente 100% da população.

A nível nacional, a meta da Estratégia Saúde da Família é abranger pelo menos metade da população.

Em Ribeirão Preto, para que isso seja possível, é necessário contemplar outras 19,4 mil pessoas.

“Temos uma cobertura muito aquém do esperado na Estratégia Saúde da Família”, atesta o professor de Medicina da USP de Ribeirão e ex-secretário municipal de Saúde José Sebastião dos Santos.

Ele compara a Atenção Básica ao Ensino Básico na Educação: “um passaporte para um futuro de qualidade”.

Sebastião aponta que a Atenção Básica é “negligenciada” no Estado de São Paulo, que prioriza investimentos em hospitais terciários (de alta complexidade) e filantrópicos.  Isso, segundo ele, traz custos – para os cofres públicos e população.

“Eu já tive, em meu plantão no HC, que amputar a perna de um diabético que não teve tratamento e acompanhamento adequado anteriormente na Atenção Básica”, afirma.

Apesar de apontar a necessidade de ampliar a cobertura (que, segundo ele, deveria atingir 100% da população, independentemente da taxa de adeptos a planos de saúde), ressalva ser necessário promover mudanças desde a universidade.

“A Atenção Básica depende muito do profissional, mas o que dá glamour hoje em dia é ser especialista de um hospital terciário. É, comparando, querer apenas ser professor universitário e ignorar o Ensino Fundamental. Precisamos de profissionais que sejam capacitados e dedicados às unidades básicas de saúde”.

Doenças crônicas

Uma das metas mais ambiciosas do ODS 3 da ONU é reduzir em um terço, até 2030, “a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis via prevenção e tratamento”.

No Brasil, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) foram responsáveis por metade das mortes da população de 30 a 69 anos em 2015.

As principais DCNT são doenças cardiovasculares, cânceres, doenças respiratórias crônicas e diabetes. As suas causas são multifatoriais, desde tabagismo e uso excessivo de álcool até alimentação não saudável e falta de exercícios físicos.

Os números de Ribeirão Preto são próximos aos nacionais e estaduais. Em 2015, a taxa de morte por DCNT para cada 100.000 habitantes foi de 311 a nível local. No mesmo ano, São Paulo teve taxa de 331 e o Brasil de 305.

Para atingir a meta da ONU, em Ribeirão Preto a taxa deve cair para 207 mortes para cada 100.000 mil habitantes até 2030.

Segundo a Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto, o problema deve ser enfrentado por medidas “interfederativas”, envolvendo municípios, estados e União, como a “implantação de medidas de caráter regulatório com relação ao tabaco, álcool e alimentos industrializados”.

Cita como medida positiva no País a Política Nacional de Controle do Tabagismo, fazendo com que o percentual de fumantes passasse de 34,8% no ano de 1989 para 12,1% em 2012 no País.

O município ressalta que “as ações de saúde de Atenção Básica podem reduzir as internações e os custos elevados que acompanham as complicações decorrentes do agravamento das doenças, além de reduzir sofrimentos e perdas”.

Em Ribeirão Preto, as mortes prematuras por DCNT são mais recorrentes em bairros periféricos e pobres da região norte do que os mais desenvolvidos nas regiões central e sul.

Segundo a Prefeitura, “as desigualdades na saúde surgem em virtude de desigualdades na sociedade”, afirmando que pesquisas apontam para a “relação  inversa entre escolaridade e renda com a prevalência de DNCT e mortalidade prematura” e que “no Brasil essa correlação é acentuada pela extrema e histórica desigualdade social e econômica”.

Ou seja: quanto maior a vulnerabilidade, maior o risco de morte prematura por doenças que poderiam ser evitadas.

Mudança de cultura

Em nota, a Prefeitura afirmou que “esta gestão está focada em reformular a atenção básica, o primeiro atendimento do paciente, a base de tudo”, investindo em desde capacitação de profissionais e distribuição adequada de medicamentos até atualização de protocolos de atendimento.

O poder público explica que são nas unidades de saúde dos bairros que  “os pacientes são atendidos e acompanhados pelos médicos durante toda a vida”, e que o fortalecimento desse vínculo “gera prevenção de doenças e economia aos cofres públicos”.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde,  “a evolução da saúde pública nas últimas três décadas foi a cultura do imediatismo e consequentemente o aumento no oferecimento de consultas de pronto atendimento”.

Prova dessa “distorção”, nas palavras da Prefeitura, é que “cerca de 90% dos atendimentos dos prontos atendimentos deveriam ser feitos como consultas marcadas nas UBS”.

Em 2018, foram mais de 780 mil consultas de  pronto atendimento, “enquanto a projeção preconizada pelo Ministério da Saúde para a população não deveria passar de 220 mil”, aponta a prefeitura.

Ou seja: sem aderir ao atendimento na Atenção Básica, a população busca consulta de urgência na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e UBDS (Unidade Básica Distrital de Saúde), contribuindo inclusive para a sobrecarga de trabalhos.

“Por isso temos que construir o fortalecimento da Atenção Básica e fomentar cada vez mais a informação, educação e consequentemente, a mudança de cultura”, afirma a Prefeitura.

Financiamento

O ODS 3 prevê “aumentar substancialmente o financiamento da saúde”. Em Ribeirão, porém, o setor já é o que mais recebe recursos municipais.

No orçamento de 2019, 31% do total de recursos da administração direta foram reservados para a Saúde, incluindo a arrecadação municipal e transferências dos governos estadual e federal. A pasta tem, ao todo, R$ 650,2 milhões. Para efeito de comparação, a Educação contará com R$ 546 milhões (16% a menos).

Considerando apenas a arrecadação de impostos, a Saúde abocanha 26,6% – bem acima do mínimo previsto pela legislação, que impõe piso de 15%.

Levantamento do Instituto Ribeirão 2030 no Finbra (Finanças do Brasil), banco de dados de gastos do poder público, aponta que dos 40 municípios brasileiros com mais de 500 mil habitantes, Ribeirão foi o quarto com maior gasto per capita na Atenção Básica : R$ 311 por habitante em 2017.

A cidade campeã foi São José dos Campos, com R$ 389 por habitante, seguida por Curitiba (R$ 357) e São Paulo (R$ 319).

Com todos os gastos municipais em Saúde (incluindo, além de Atenção Básica, urgência, internações, vigilância sanitária, entre outros), Ribeirão fica em 14º entre as 40 maiores cidades, com R$ 836 por habitante em 2017.

Para Sebastião dos Santos, a mudança envolve não apenas recursos, mas melhorias na gestão, como a redução do absenteísmo, tanto dos médicos quanto dos pacientes (aproximadamente um em cada três falta a consultas e exames pré-agendados).

Disparidade

Apesar de já estarem dentro dos parâmetros da ONU, os indicadores de mortalidade infantil e materna de Ribeirão Preto estão longe dos de países desenvolvidos.

A morte materna é registrada quando a mulher morre durante gestação ou até 42 dias após seu término, ocasionada por qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez.

Em Ribeirão, em 2017, essa taxa foi de 36 para cada 100 mil nascidos vivos.

Segundo dados do Banco Mundial, os melhores países com esse indicador em 2015 eram Finlândia, Grécia, Polônia e Islândia, com apenas 3 mortes para cada 100 mil. Os dados de Ribeirão são os mesmos da Geórgia e Uzbequistão, países asiáticos.

No Brasil, a taxa em 2016 foi de 64,4 mortes para cada cem mil.

A meta da ONU, no ODS 3, é que a taxa global fique abaixo de 70 até 2030. Em 2015, era de 216. O país com pior indicador foi Serra Leoa, com 1.360 mortes para cada cem mil.

Os dados locais levantam o alerta porque são crescentes. Entre 2010 e 2014, as taxas ribeirão-pretanas ficaram no patamar entre 23 e 24. Em 2015, subiu para 34, chegou a 50 no ano seguinte e caiu para 36 em 2017.

A mortalidade na infância também está em um patamar já abaixo do preconizado. A taxa em Ribeirão foi de 10,74 mortes de crianças com menos de 5 anos para cada 1.000 nascidas vivas em 2017, segundo dados da Fundação Seade.

A ONU, no ODS 3, preconiza que a meta global em 2030 seja de 25 para cada mil nascimentos – era de 39,1 em 2017.

Apesar de melhores que as taxas de São Paulo (12,34) e do Brasil (14,9), os indicadores ribeirão-pretanos ficam muito aquém dos países desenvolvidos.

Nas Islândia e Eslovênia, a taxa é de 2,1 mortes para mil nascimentos. O município fica atrás, inclusive, de países latino-americanos, como Chile (7,4), Uruguai (8,8) e Argentina (10,4).

Segundo publicações do Ministério da Saúde, a mortalidade em menores de cinco anos “expressa o desenvolvimento socioeconômico e a infra-estrutura ambiental precários, que condicionam a desnutrição infantil e as infecções a ela associada”, bem como ao acompanhamento precário de saúde da criança e da mãe durante a gestação.

Em 2017, 90 crianças com menos de 5 anos morreram em Ribeirão Preto, segundo o DataSUS. A maioria devido a doenças congênitas ou problemas na gestação.

Comparativo

“A saúde está boa ou ruim? Todo mundo sempre acha que está ruim. Mas a pergunta é: comparado com o quê? Se compararmos com países escandinavos, está mal. Mas ao olharmos a nível nacional, os indicadores de Ribeirão Preto e região são considerados exemplares”, afirma João Passador, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e especialista em gestão pública.

Segundo ele, o desafio do SUS é “produzir o máximo de benefícios com o mínimo de recursos”. Nesse sentido, aponta, é necessário regionalizar o atendimento, planejando estratégias de acordo com as especificidades dos municípios ao entorno.

Passador ressalta que “o foco deve ser a saúde preventiva, e não a curativa”, com exames regulares e monitoramento de dieta alimentar e atividades físicas na Atenção Básica.

Ele é entusiasta do uso de novas tecnologias, que podem desde auxiliar os gestores na tomada de decisões com base na sistematização de grandes volumes de dados até permitir melhoria direta no atendimento, como a redução do absenteísmo dos pacientes e do tempo da fila de espera por atendimento especializado.

O município afirma que utiliza soluções tecnológicas, citando que o aplicativo Saúde Digital para smartphones possibilita desde o agendamento de consultas até a disponibilidade de medicamentos, otimizando a gestão.

Tempo de espera

Aos 79 anos, Diva Palucci integra o Conselho Municipal de Saúde e o Conselho Local do Centro de Saúde da Vila Tibério. Ela aponta que a fila de espera por consultas especializadas é um dos gargalos da saúde municipal.

“Estou cansada de ver a gerente do posto dizer que a fila diminuiu, porque mais duas pessoas faleceram”, afirma.

Ela ressalta que a gestão vem melhorando nos últimos anos, mas que ainda há muito a ser feito.

Segundo a Prefeitura, no segundo semestre de 2018 a Secretaria Municipal da Saúde iniciou um projeto de reestruturação da Atenção Básica, “que tem como principal objetivo reorganizar os atendimentos, reduzir filas e otimizar o serviço oferecido à população”.

Um dos pilares, segundo o governo municipal, é “priorizar a descentralização de responsabilidades, autonomia e confiabilidade dos serviços de saúde”.

A secretaria ressalta que o tempo de espera por exames está diminuindo, e que “em fevereiro de 2019, das 55 especialidades médicas oferecidas pela Secretaria da Saúde, 62% tem fila de espera menor que dois meses e 40% menor que um mês”.

Dengue

Para cumprir o ODS 3 na íntegra, Ribeirão Preto precisa tomar medidas para estancar as epidemias de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. Historicamente o município sofre com a dengue e, desde 2016, entrou em alerta também para zika e chikungunya.

Entre 2000 e 2017, a população sofreu 10 anos considerados epidêmicos de dengue (2001, de 2006 a 2011, 2013, 2015 e 2016).

Apenas nesse período mais crítico, foram 121.030 casos confirmados da doença. Entre eles 731 bebês com menos de 1 ano.

O pior período foi em 2016, com 35.043 confirmações de dengue, além de 5.509 casos suspeitos de zika e 153 de Chikungunya. Ao todo, 6 em cada 100 moradores foram afetados pelo Aedes aegypti naquele ano.

Especialistas apontam que as epidemias são cíclicas, e dependem de fatores como volume de chuvas e qual vírus está circulando (a dengue possui quatro tipos).

A prevenção está diretamente ligada à conscientização da população – em algumas cidades, até 90% dos focos do mosquito estão dentro das residências. Porém, o poder público tem o seu papel de fiscalizar e orientar os munícipes, além de tomar medidas para limpeza de terrenos abandonados.

Essas epidemias custam caro. Segundo a consultoria Sense Company. Em 2016 o Aedes deu um prejuízo de R$ 2,3 bilhões à economia brasileira, considerando desde o tratamento até as perdas para as empresas pelo afastamento de funcionários.

E são prejudiciais não apenas no bolso: 41 ribeirão-pretanos morreram entre 2010 e 2016 vítimas da dengue.

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