PLANO DE CIDADE POSICIONAMENTOS PÚBLICOS

Prefeitura não aplica orçamento para enchentes desde 2015

18/03/2019

Ações

Última grande obra anti-enchente foi finalizada em 2013 (Foto: CCS)

Desde 2015, a Prefeitura de Ribeirão Preto não aporta recursos para a dotação orçamentária “combate e prevenção de enchentes”. De lá até 2018, os orçamentos reservaram expressamente R$ 2,9 milhões para essa rubrica de investimentos, sendo R$ 400 mil de verba municipal. Nada, porém, foi efetivamente aplicado.

Em 2019 o Palácio Rio Branco reservou no orçamento o menor valor da última década: apenas R$ 50 mil para enchentes, a metade do que havia sido previsto (e não executado) em 2017 e 2018. Nenhum centavo foi desembolsado até março.

Para efeito de comparação, segundo o Portal de Transparência, desde janeiro de 2018 a prefeitura gastou R$ 7,4 milhões com a empresa contratada para serviços de publicidade.

Além disso, há quatro anos a Prefeitura não dispõe de uma empresa terceirizada para limpeza e reparos de bocas de lobo, uma das principais causas de alagamentos. Uma licitação foi aberta em janeiro de 2019, mas ainda está em fase recursal e não foi homologada.

O orçamento municipal possui uma reserva específica para a ação de “combate e prevenção de enchentes”. Ela foi utilizada pela última vez com esse objetivo em 2014, para complementar o pagamento a uma empresa contratada no ano anterior para realizar o Plano de Macrodrenagem do município.

Em 2016 o governo municipal chegou desembolsar R$ 128.967,55 dessa dotação orçamentária. O montante, porém, foi apenas para restituir o Governo Federal por conta de um saldo remanescente de um convênio firmado em 2011.

Os dados foram levantados junto ao Portal de Transparência da Prefeitura e plataforma RevelaGov (que permite cruzamento de dados em tempo real e está com acesso aberto à população por meio de parceria com o Instituto Ribeirão 2030). Aportes financeiros ou serviços que indiretamente ajudaram a combater o problema, mas que não foram cadastrados pelo governo nesta dotação orçamentária, não foram considerados no levantamento.

O 13º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) prevê “tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos” e tem como primeira meta “reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados ao clima e às catástrofes naturais em todos os países”.

 

 

A situação dos últimos cinco anos contrasta com as grandes obras realizadas entre 2008 e 2013, quando foram realizadas construção de barragens, canalizações e desassoreamentos, viabilizadas por meio de recursos do Governo Federal.

A principal delas, a obra anti-enchente na Jerônimo Gonçalves, concluída em 2013 e dividida em quatro etapas, custou aproximadamente R$ 120 milhões à época.

Estudos internos da Secretaria de Obras, elaborados ao longo das últimas décadas, apontam que para solucionar completamente o problema de inundações e alagamentos no município seriam necessárias ao menos 40 intervenções em drenagem, com desde instalação e troca de redes de águas pluviais até barragens em córregos.

O custo, incluindo desapropriações, é estimado em mais de R$ 600 milhões. Uma das intervenções mais caras é a canalização de 13 km do córrego Ribeirão Preto, na via Norte e adjacências, que ficaria em torno de R$ 200 milhões.

 

Baixo custo

Com os cofres públicos combalidos pela corrupção da gestão passada e o rombo do IPM (Instituto de Previdência dos Municipiários), a prefeitura não dispõe de recursos para as grandes obras e depende de linhas externas de financiamento, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

O pesquisador do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) Marcelo Fischer Gramani, coordenador de um estudo em 2018 que diagnosticou sete áreas com risco de inundação em Ribeirão, aponta que medidas de baixo custo podem ter alto impacto na amenização dos danos.

Ele cita, por exemplo, a instalação de réguas de medição visíveis nos córregos, para que a população saiba quando a água superou o nível de risco, e sensores de monitoramento que avisem a população e os órgãos municipais em tempo real quando a situação é de risco.

Marcelo explica que sensores instalados nos córregos poderiam se comunicar com os postes de iluminação das vias públicas aos entorno, que mudariam a cor da luz quando a situação se agravasse.

Sensores também poderiam ser instalados em bueiros de pontos estratégicos, para avisarem a Prefeitura quando estão obstruídos ou sem dar vazão à água.

Atualmente, a Defesa Civil informa, por meio de mensagens SMS, a população sobre o risco de temporais. Não há, porém, nenhum aviso local sobre inundações e vazão dos córregos.

Segundo o estudo do IPT, os principais pontos de inundação com risco para a vida da população estão na Avenida Maurilio Biagi (trecho em frente à Estácio de Sá), entorno do jardim Jockey Club (favela da Locomotiva), favela do Brejo, favela da Barragem, toda a extensão da Via Norte, entorno da rua Guatapará e Felipe Camarão e nos pontos próximos ao cruzamento entre as avenidas Francisco Junqueira e Jerônimo Gonçalves.

 

A av. Maurílio Biagi é uma das vias públicas que oferece risco de vida para a população devido a inundações, segundo estudo do IPT

 

“O ODS 13 fala da resiliência da população em relação a desastres naturais. Isso significa, justamente, ter conhecimento do problema e de como agir quando ele ocorrer”, explica Marcelo Gramani.

Para ele, a falta de dinheiro para grandes obras de macrodrenagem não podem ser justificativas para não realizar ações educativas e preventivas de baixo custo.

 

Boca de lobo

Além das inundações e enchentes (transbordamento de córregos e rios), Ribeirão também sofre com os alagamentos (quando a água da chuva não consegue escoar e se acumula na via pública).

Um dos principais problemas para os alagamentos é a obstrução das bocas de lobo, que entopem por conta da poluição jogada pela população e falta de medidas preventivas da prefeitura.

O município tem cerca de 40 mil bocas de lobo. O ideal, segundo técnicos da prefeitura, é que elas fossem limpas ao menos duas vezes ao ano. Em média, porém, apenas 25% recebem manutenção anual.

No final de 2014 a Prefeitura contratou uma empresa para limpar 70 mil bocas de lobo ao ano. Em março de 2015, porém, o contrato foi rompido em razão dos atrasos dos pagamentos municipais.

Desde então, o serviço ficou apenas a cargo dos servidores municipais da Secretaria de Infraestrutura, que está com déficit de funcionários.

Em janeiro de 2019 a Prefeitura abriu nova licitação, na modalidade pregão eletrônico, para limpeza de 5 mil bocas de lobo ao mês. Estimado em R$ 3,5 milhões, o serviço foi arrematado por R$ 3,1 milhões em fevereiro.

Até o momento, porém, não houve homologação do edital, pois uma das empresas derrotadas ingressou com recurso.

Bocas de lobo entupida são as principais causas de alagamentos (Foto: Divulgação Prefeitura)

 

Outro lado

Na manhã do dia 12 de março, o Instituto Ribeirão 2030 questionou a assessoria de imprensa sobre o motivo dos recursos para combate e prevenção de enchentes previstos nos orçamentos de 2017 e 2018 não terem sido utilizados, a redução da reserva orçamentária em 2019, medidas tomadas para amenizar o problema, quantidade de inundações registradas e situação da licitação para limpeza de bocas de lobo.

Até a publicação desta reportagem nenhum questionamento havia sido respondido.

 

Além das obras

O arquiteto urbanista Silvio Trajano Contart, integrante do subgrupo Sustentabilidade do Ribeirão 2030, explica que “a questão da drenagem e das inundações vai além das obras e do orçamento”, pois “envolve questões ambientais importantes”.

Segundo ele, deveria ser priorizada a  “retenção da água pluvial onde ela cai, e não investir pesadamente na sua coleta e afastamento”.

Contart ressalta que “a retenção evita obras estruturais pesadas”, mas necessita de planejamento prévio e envolve mudanças de atitude, de cultura e  de comportamento, pontuando que “a população precisa entender e colaborar no dia a dia, principalmente evitando o descarte de lixo e entulho”.

Ele constata que “Ribeirão Preto é uma cidade suja, pois as pessoas jogam lixo e entulho em todo lugar”, e que a conscientização deveria ser uma das prioridades.

(Reportagem: Cristiano Pavini)

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